quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Little Miss Sunshine

Querida Miss Sol,

   Hoje o dia amanheceu chuvoso e lembrei-me de você. Lembrei de você e senti sua falta. Sim, parece estranho, mas mesmo para toda loucura existe uma louca explicação, aqui está: Hoje não teve sol e a noite não teve sonho, por isso minha saudade repentina de ti, querida companheira de vôos.

   Sabe, o mundo anda cada vez mais estranho. O que se ouve por aí é que há uma crise assolando as nações. Talvez seja esse o motivo de as pessoas andarem por aí cada vez mais sisudas, segurando seus bolsos, com os pés cada dia mais fincados no chão. Sabemos que Marx há muito previu tudo isso - ninguém lhe deu ouvidos -  e agora toda a gente é séria e enrugada. Quem sabe por isso eu, que, como dizem, nunca estive aí para a Hora do Brasil, me sinta cada dia mais desajustada com esse mundo. Daí a saudade.

   Senti falta de nossas conversas de botas batidas. De rir de suas histórias loucas, dos nossos contos-de-fadas falidos. De sua sadia insanidade, sempre tão frutífera. Do seu riso frouxo que te faz chorar e daquela ruguinha de estresse sempre quando dava tudo errado. Aliás, achar graça da sua mania desesperada de tentar controlar o mundo e de seu transtornoobsessivocompulsivo por espiadas no relógio de segundo em segundo é o que mais me faz falta.
   Miss, as pessoas nos acusam de irreais, mas talvez elas não saibam que, de repente, sejamos quem mais tem noção da realidade, tanto que fugimos dela, por ser pesada demais para o nosso insano anseio por mágica. Aliás, nós sempre preferimos a magia, não é mesmo? Seguindo Blanche DuBois sempre e sempre.
   E por falar em realidade, sinto falta também de solidarizar-me contigo sempre quando queria que tudo fosse diferente e feliz e aquela mesma te dava um beliscão para você acordar, saber do sono e, ainda assim, querer dormir, e me entender, quando eu também assim preferia. A espantosa realidade das coisas sempre te fez ter medo de tudo, mas de vez em quando você se permitia lançar-se no abismo e gozar da efêmera sensação do vôo, mesmo receosa das feridas da aterrissagem. Das discussões após as aulas de literatura e de, depois, entrarmos em acordo que a vida deveria ser assim,sim! E emburrarmos por ela, em vez da arte, imitar os piores programas de televisão. Aliás, você ter "saído" da minha vida acadêmica deixou a faculdade mais chata e tediosa, coisa de gente grande. Me sinto uma universitária, que horror.

    A rotina anda muito enfadonha.  Precisava de você aqui para me mandar parar de falar mal dela. (ah, claro, e me fazer rir e te chamar de louca por amar tanto essa chatice. Tão metódica!)

   Me faz falta sermos um grande paradoxo e esse ser o sentido. A verdade é que minha saudade de ti é por saber de sua singularidade. Concluo que a vida precisa pessoas assim, para me fazerem companhia enquanto você está ocupada brincando de gente grande.
 
   Talvez se houvessem tais pessoas, pelo menos uma hora no dia, os medalhões das bolsas mundiais não estariam gritando no telefone, e, sim, jogando papel picado no ar. Mas, aguardemos nosso carnaval chegar, porque eu sei. Sei que um dia, querida amiga, o mundo viverá de magia. E nós, deusas coroadas, governaremos soberanas.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

O outro lado do mundo

"mais vasto é meu coração".
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Eu queria mesmo era ser de outro mundo.
Viver de nuvem e andar de sonho.
Pensar impossíveis e fazer sentido.
Ou não fazer, e isto sê-lo
eu queria mesmo.
Pedir fantasia e se chamar realidade
Sem beliscões para o retorno a si;
Sem gente chata, sem gente séria;
Sem mal-amor, sem mau-humor.
Nem frieza, nem frescura.
Queria ser.
Sem medo do ridículo, profano,piegas,
de estar sendo cega;
Sem medo do medo, medo de tudo, medo do mundo;
Sem medo do riso frouxo, largo.
Sim, ser frouxo, ser solto
só ser.
Sem caçadores para atirar nas asas dos pássaros.
Sem métrica. Os versos? Brancos e livres.
Ser leve e poder sustentar
[ser de outro mundo]

Ser Alice, Emília,ser Chicó¹.
E ficar sendo, e ser, e só.

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¹ O auto da compadecida, Ariano Suassuna.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

[des]contexto

Minha existência está no que não sou
Caminho por lugares onde não vou
Sonho paisagens que não posso ser
E nada me tira o gozo em viver...

Ouço aquilo que ninguém me diz
Finjo que brinco que fui o que quis
Dentro de tudo o que nunca ousei ser
Em que curso da vida consegui me perder?

Digo verdades daquilo que minto
Fujo do medo de tudo o que sinto
Perco-me daquele que a mim se doou
Como me dar se em mim não estou?