domingo, 18 de setembro de 2011

Um monumento à neosadina

"eu só tenho becos e perguntas, minha alma e minha culpa dormem juntas". 



Quando todos os deuses poetas, filósofos, bardos e prosadores sabem. Eles simplesmente sabem. E eu, cansada de não mais saber.

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Tenho uma grande constipação,

E toda a gente sabe como as grandes constipações
Alteram todo o sistema do universo,
Zangam-nos contra a vida,
E fazem espirrar até à metafísica.
Tenho o dia perdido cheio de me assoar.
Dói-me a cabeça indistintamente.
Triste condição para um poeta menor!
Hoje sou verdadeiramente um poeta menor.
O que fui outrora foi um desejo; partiu-se.


Adeus para sempre, rainha das fadas!
As tuas asas eram de sol, e eu cá vou andando.
Não estarei bem se não me deitar na cama.
Nunca estive bem senão deitando-me no universo
.

Excusez un peu... Que grande constipação física!
Preciso de verdade e da aspirina.


(Álvaro de Campos, Poemas)
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é de se entregar a sorte? é de se entregar à sorte?!


Em ver que o vai e vem pode ser eterno...acho que não vai dar...

porque meus fantasmas sempre foram diferentes. (no silêncio do vazio, arrastando maravilhas...)

Sem fatos de uma autobiografia



Alabastro


Esquecido em um canto. Um pouco sujo. Talhado há muito. 
Já esteve aos pés de Alexandria. Lacrou salas de orações.
Serviu água ao chefe egípcio, caiu-lhe das mãos.


Pobre alabastro. Pomposo em teu cochilo escuro.
Dormes o sono dos ermos à meia-luz de uma história boba.
Transido de pedra fria, de perfumes venturosos e velhos.

Tenho-te aos olhos de minha mente, doce alabastro.
Sonho com o canto em que habitas, inerme e sujo.
Um canto vago em minha alma de alabastro quebrado.


(J. Campelo).
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Suspirou profundamente e arrojou-se - havia uma paixão em seus movimentos que justifica a palavra - ao chão, aos pés do carvalho. Sob toda essa transitoriedade do verão, gostava de sentir debaixo do seu corpo o espinhaço da terra - pois assim se lhe afigurava a dura raiz do carvalho; ou, por sucessão de imagens, o lombo de um grande cavalo que ia cavalgando; ou a coberta de um navio agitado - qualquer coisa, na verdade, contanto que fosse firme, pois sentia necessidade de alguma coisa a que pudesse amarrar seu incerto coração, o coração que dava arrancos no seu peito; o coração que parecia cheio de perfumadas e amorosas brisas, todas as tardes àquela hora, quando saía a passeio. Amarrou-o ao carvalho e, ao descansar ali, o tumulto que sentia, dentro e em redor de si, gradualmente serenou...

Virgínia Woolf. in Orlando

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porque eu nunca te disse que a parte que mais me comoveu no teu poema foi o "para Lilianny", alinhado à esquerda logo abaixo do título, e do cuidado ao escrever os enes do original do meu nome dentre essas várias versões de nomes que você me deu...
pelas verdades fantasiosas dos teus versos e por todas as coisas que não se pode por em verso, sim, tenho razão em sentir saudades.  

domingo, 4 de setembro de 2011

When the pieces don't fit here anymore


Encerrados no quarto de duplos, perdidos  num labirinto de espelhos.





Well i'll hide all the bruises, I'll hide all the damage thats done. But I show how Im feeling until all the feeling has gone.
Everybody's talking in words I don't understand, and You've got to be the only one who knows just who I am. That's why I've been missing you lately. Cause you make it real for me... but I guess there's so much more, I have to learn....


Oh, don't missunderstand how I feel. Cause I've tried, yes I've tried.
But still I don't know why, no I don't know why. There's so much craziness surrounding me. There's so much going on, It gets hard to breathe. 
 Just leave now, it' the better thing to do...





sábado, 3 de setembro de 2011

O rapto das Sabinas. (sobre amor e outros demônios)



"Eu a havia conhecido 34 anos antes em Viena, comendo salsichas com batatas cozidas e bebendo cerveja de barril numa taberna de estudantes latinos. Eu havia chegado de Roma naquela manhã, e ainda recordo minha impressão imediata por seu imenso peito de soprano, suas lânguidas caudas de raposa na gola do casaco e aquele anel egípcio em forma de serpente. Achei que era a única austríaca ao longo daquela mesona de madeira, pelo castelhano primário que falava sem respirar com sotaque de bazar de quinquilharia. Mas não, havia nascido na Colômbia e tinha ido para a Áustria entre as duas guerras, quase menina, estudar música e canto. Naquele momento andava pelos trinta anos mal vividos, pois nunca deve ter sido bela e havia começado a envelhecer antes do tempo. Em compensação, era um ser humano encantador. E também um dos mais temíveis.

Viena ainda era uma antiga cidade imperial, cuja posição geográfica entre os dois mundos irreconciliáveis deixados pela Segunda Guerra Mundial havia terminado de convertê-la num paraíso do mercado negro e da espionagem mundial. Eu não teria conseguido imaginar um ambiente mais adequado para aquela compatriota fugitiva que continuava comendo na taberna de estudantes da esquina por pura fidelidade às suas origens, pois tinha recursos de sobra para comprá-la à vista, com clientela e tudo. Nunca disse o seu verdadeiro nome, pois sempre a conhecemos com o trava-língua germânico que os estudantes latinos de Viena inventaram para ela: Frau Frida. Eu tinha acabado de ser apresentado a ela quando cometi a impertinência feliz de perguntar como havia feito para implantar-se de tal modo naquele mundo tão distante e diferente de seus penhascos de ventos do Quindío, e ela me respondeu de chofre:

Eu me alugo para sonhar.

Na realidade, era seu único ofício.Havia sido a terceira dos onze filhos de um próspero comerciante da antiga Caldas, e desde que aprendeu a falar instalou na casa o bom costume de contar os sonhos em jejum, que é a hora em que se conservam mais puras suas virtudes premonitórias. Aos sete anos sonhou que um de seus irmãos era arrastado por uma correnteza. A mãe, por pura superstição religiosa, proibiu o menino de fazer aquilo que ele mais gostava, tomar banho no riacho. Mas Frau Frida já tinha um sistema próprio de vaticínios.

— O que esse sonho significa — disse — não é que ele vai se afogar, mas que não deve comer doces.

A interpretação parecia uma infâmia, quando era relacionada a um menino de cinco anos que não podia viver sem suas guloseimas dominicais. A mãe, já convencida das virtudes adivinhatórias da filha, fez a advertência ser respeitada com mão de ferro. Mas ao seu primeiro descuido o menino engasgou com uma bolinha de caramelo que comia escondido, e não foi possível salvá-lo.
Frau Frida não havia pensado que aquela faculdade pudesse ser um ofício, até que a vida agarrou-a pelo pescoço nos cruéis invernos de Viena. Então, bateu para pedir emprego na primeira casa onde achou que viveria com prazer, e  quando lhe perguntaram o que sabia fazer, ela disse apenas a verdade: "Sonho".
(...)"
(Gabriel García Marquez)

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 De Penélope a Helena. De Antígona a Medeia. Capitu. Sempre Capitu. A dos 14 anos. Pesadelo de todos os Bentinhos, Aquiles, Menelais, Jasões e Creontes. Cansada de todas as esperas. Quero Heitor. Páris. Os ardis de Odisseu. Mas, enquanto Ítaca não é encontrada, não darei uma de musa de Camões afogada. Prefiro a do meu  Gabo. (ou  Ariel do verdadeiro Bardo).

Não mais visões de espelhos. Mirar novos alvos, e olhares inteiros. Porque só a poesia é clarividente.


"no final das contas, somos todos sobreviventes de nós mesmos
lá nas prisões do infinito, ousar ser eterno: amor como atalho e labirinto
mas se você não está morto, sonhará porto por perto. anoiteça o que anoitecer, coração aberto"




sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Arrastando maravilhas (porque eu era labirinto)


"Take your time, make it slow
Andante, Andante
Just let the feeling grow
(I am your music and I am your song)"


C,
este é o meu texto mais difícil que você [me] traduziu. realmente, tenho perdido o fôlego, mas mais com essa vida do teu texto que com a do texto eu. sobre a ordem, também não sei, pensei em reordená-los da primeira vez, mas deixei assim, na ordem dos  ocasos. tudo calculado, uma vez que o caos é deus caprichando. e não somos mesmo isso? feitos de caos e de labirintos (sim, me lembrou muito o poema do sá carneiro "perdi-me dentro de mim"). hoje, sinto-me exatamente assim. mais do que sentia quando li da primeira vez. serei eu meramente esse personagem efêmero da tua trama? assim mesmo, nos labirintos do mundo de sofia  com minha caixinha de pandora? virei joguete do teu destino? ou do destino meu? malditos deuses, não pensei que usaria eles contra mim. injusto!
gostei do teu texto livre, traduzindo essa minha falta de coesão. você sempre comentou da minha singular pontuação, e nós sempre nos despimos das regras dela,não é mesmo? assim teremos sempre o benefício da dúvida, essa maldição que sempre nos assombra e encanta. "a parte boa de não compreender é que posso encaixar a vírgula e o ponto onde eu quiser", lembra disso? escolhi a revisão pensando nessas incoerências da  (nossa) vida.
deixemos assim,  ou melhor, fiquemos assim. a pausa e o final pra não deixar faltar trabalho pros revisores do nosso destino.  interpretações ao largo. fiquemos apenas nós. e todos os acasos.

"Andante, Andante!Go slowly with me now." 



(por que você sempre acaba por me lembrar essas músicas paternas da minha infância? seu velho - sim, porque pior que ter um pai que gosta de Abba é ser filha e acabar por gostar também, mas não conte a ninguém, eu nego.)


É isso. Um beijo, e obrigada."by  tread lightly on my ground". e por tudo.

L.
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p.s.: uma definição simples: ausência de pontuação. situação ( in-re?)descoberta, como a definição em estado de dicionário que te fiz pra me vingar de ter me chamado de coisa, pior,"essa coisa que é você", no depoimento que me fez dizendo que não sabia depor sobre mim, deixou só promessa, como sempre. é isso. estou sempre em estado de coisa mesmo. talvez prefira assim. no lost. just undiscovered. um trocinho, como agora dizem, enfim. paciência... prefiro assim.


And when we're alone, we're all the same as each other



Das traduções vividas III


L,
Eis o Andantino.
Já não sei se ele é continuação do Legato ou sei lá o quê.
Nem sempre ou quase nunca a ordem de feitura é a ordem de edição.
 Depois a gente pode ver como ordena. Antes vêm outros aí.
C.

"porque eu era labirinto" (Sá Carneiro)
Andantino


Misteriosamente vaga e entorpecida a Dama do Sono afaga a cabeça dela e o pior é que ela não quer dormir ela não quer nada quer simplesmente sonhar acordada e olhar e não ter que escolher entre a baliza esquerda de granito e diamantes rústicos e a baliza direita de mármore e prismas encravados porque cada uma destas balizas tem as suas belezas eternas e inlapidáveis a um mesmo momento em que percebe o redor tão mais bonito sem a desnecessidade incomensurável de se escolher qualquer coisa que seja ainda que momentaneamente entrebatida nos reflexos entrebalizas criados por uma luz vermelhocorrompida ela tenta esboçar qualquer coisa que digam que é sentimento mas solta uma espécie de inarticulação e as balizas respondem com o eco que é próprio dos lugares aonde ninguém vai


finalmente cansada de contemplar cores que nem dela são mais olha as balizas e baixa a cabeça pesada porque sabe que qualquer uma pra qual ela estrada vire vai desaguar na amplitude de uma longínqua paisagem essencialmente inominável o próprio nome ”paisagem” não faz jus ela pensa parece triste essa constatação mas não é somente coriza no nariz e um pouco de autocomiseração ela calça botas de chuva e casaco grosso porque o tempo é inclemente e a jornada é longa e fascinante em si.



Ela sabe sorriso de estrelas e volteios no ar. Mas aí ela já virou viajante.