sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Cumadi Cida

 
"teu lar é no reino divino limpinho cheirando a alecrim".
 
 
 
 
No coração da mãe sempre cabe mais um, no dela cabe o mundo todo, porque ela é mais. Por isso, quando uma vó se vai, fica todo esse mundo desabrigado e o vazio fica maior. Resta a saudade. E o dever de cuidar do coração do vô, que tá apertado e faltando um pedaço.
 
                                    
 
Bença, vó.
 
Um beijo da sua Cumadi Camila.


segunda-feira, 19 de novembro de 2012

This it is and nothing more.

Muito é o  nada nessa vida.
(G.Rosa)

Nada fica de nada. Nada somos.
Um pouco ao sol e ao ar nos atrasamos
Da irrespirável treva que nos pese
Da humilde terra imposta,
Cadáveres adiados que procriam.

Leis feitas, estátuas vistas, odes findas —
Tudo tem cova sua. Se nós, carnes
A que um íntimo sol dá sangue, temos
Poente, por que não elas?
Somos contos contando contos, nada.

(R. Reis)




Nevermore.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

A moça do sonho


Há de haver algum lugar, um confuso casarão
Onde os sonhos serão reais e
a vida não... 
 
 
Seis linhas de pensamentos soltos. Uma dúzia de certezas enroladas. Tem dias que você acorda meio Blanche DuBois e a realidade não cabe na forma das suas expectativas. 
I don't want realism. I want magic. E o direito de poder começar tudo de novo.
 
 
 
-- 

domingo, 29 de julho de 2012

Literatura comparada

O mal de viver a literatura antes da própria vida: já saber antes do início qual será o meio e o desfecho desse livro.
Shakespeare já cantou a pedra muito antes de nós...








segunda-feira, 11 de junho de 2012

seems like pretending


We loved, we laughed, we cried,
...the story ends
and we're just friends.



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(but not like before)


terça-feira, 5 de junho de 2012

De acostumar

A: você  é um péssimo amigo, sabia?
B: Sou um péssimo muitas coisas.
A: você já me amou mais
B: Ainda amo, só não posso resolver sua vida infelizmente. E vice-versa.
Quem dera né Lili?
A: "não sei por que você  não me alivia a dor". Você  precisa ser menos realista,  a verdade tem doído  tanto ultimamente.
(é, quem dera)
B: Nem dói. Tem que se acostumar, Lili.
A: posso até me acostumar...
mas nem de longe vou ficar mais feliz com isso...


♪Acostumar

quinta-feira, 31 de maio de 2012

One art

“A arte de perder não é nenhum mistério;
Tantas coisas contêm em si o acidente
De perdê-las, que perder não é nada sério.

Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,
A chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Depois perca mais rápido, com mais critério:
Lugares, nomes, a escala subseqüente
Da viagem não feita. Nada disso é sério.

Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
Lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Perdi duas cidades lindas. E um império
Que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.

– Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo
que eu amo) não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser mistério
por muito que pareça (Escreve!) muito sério. ”



(Elisabeth Bishop)
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Now I must wave goodbye...

domingo, 27 de maio de 2012

sábado, 26 de maio de 2012

24-25

Dreams burn but in ashes are gold.


O que nós construímos é  maior que a soma de dois.

yearning for a ticket out

domingo, 20 de maio de 2012

Ouch

 - Preciso ver isso. Acho que tem alguma coisa fora de controle dentro de mim.
 - E por acaso alguma vez na vida você teve controle sobre algo dentro de você?
 - É. Você tem um ponto...

sexta-feira, 18 de maio de 2012

quarta-feira, 16 de maio de 2012

No desalinho triste das minhas sensações confusas


Uma tristeza de crepúsculo, feita de cansaços e de renúncias falsas, um tédio de sentir qualquer coisa, uma dor como de um soluço parado ou de uma verdade obtida. Desenrola-se-me na alma desatenta esta paisagem de abdicações — áleas de gestos abandonados, canteiros altos de sonhos nem sequer bem sonhados, inconsequências, como muros de buxo dividindo caminhos vazios, suposições, como velhos tanques sem repuxo vivo, tudo se emaranha e se visualiza pobre no desalinho triste das minhas sensações confusas.
(Livro do Desassossego - Bernardo Soares)

terça-feira, 15 de maio de 2012

Forgive me

E quando a gente se vê de fora e não gosta do que vê? 
Eu tinha pra bater no mundo inteiro, menos em você. 

So please forgive me for when I sing this song.




domingo, 13 de maio de 2012

Due poverelli

sobre músicas, amor e neurolinguística


B: não sei porquê, não sai da minha cabeça. quando cheguei, fui ver a tradução e concluí não só que meu subconsciente fala italiano, como é profunda e irremediavelmente piegas.

A: ho capito che il tuo subconscio è anche un poverello perso in questa noia d'amore...


Musica: Due - Renato Russo

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Da gravidade

A- Deviam inventar um celular anti-impulsos-emotivos. Você leva um choque quando vc discar determinada combinação de números.

B - já existe isso, é um aplicativo. se chama minha mão na tua cara sempre que você tiver essas ideias ridiculas.

A- poxa, quase fiquei feliz.

B- mas você sabendo que o erro é causado pelo app, você iria desligar, porque não se controla.
  • A- (eu ia mesmo... mas deixa eu me iludir). mas tem que dar choque, não completar a ligação não basta.
  • B- aahahha. Tu tem é que tomar vergonha na cara.

  • A- falando nisso, quão grave é você contar suas lamúrias até pra sua prima teenage e perceber que ela tá na mesma situação que você?

    B- Grave. Muito grave.
    Vergonha na cara. Importante pra caralho.

    A- artigo de luxo ultimamente.


quarta-feira, 9 de maio de 2012

This little space in between

"If there's any kind of magic in this world, it must be in the attempt of understanding someone, sharing something. I know, it's almost impossible to succeed, but…who cares, really? The answer must be in the attempt.





Isn't everything we do in life a way to be loved a little more?"


segunda-feira, 7 de maio de 2012

One day

Encerrara as páginas do livro. Um pouco nostálgica. Um pouco triste e abalada pelo que acabara de acontecer. Às vezes sentia que vivia mais naquelas páginas do que em sua própria realidade. "Acho que a realidade é algo superestimado", lera páginas atrás. Ela concordava. De fato, parecia uma frase que ela diria, daí a familiaridade com  a ficção.
Com a vista embaçada após mais de 15 horas ininterruptas de leitura, levantou-se e olhou os livros da estante. Tantas histórias vividas...
Deparou-se enfim com um volume em especial e o abriu. Era uma página dedicada. Já fazia um tempo, pensou.
Podia ter sido escrito por ou para qualquer um. Podia ter lido coisas mais bonitas na vida. Mas aquela letra gauche, aquelas palavras, aquela mancha de tinta definitivamente despertavam-lhe afeição. Concluiu que ainda gostava muito daquelas desencontradas palavras, havia ainda um carinho ali, um inferno.
Pensou em dizer algum dia, de forma descontraída, sobre aquilo tudo, aquela constatação, mas depois percebeu que poderia ser  mal compreendida - não era raro acontecer.

Querendo pôr fim àqueles pensamentos, fehou o livro e o colocou novamente na estante.

Alguns dias eram assim. Emma Morley não sabia o que querer da vida.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Dos finais

 - E aqui tens tu uma existencia d'homem! Em dez annos não me tem  succedido nada, a não ser quando se me quebrou o phaeton na estrada de Saint-Cloud..: Vim no Figaro.
       Ega ergueu-se, atirou um gesto desolado:
       - Falhámos a vida, menino!
- Creio que sim... Mas todo o mundo mais ou menos a falha. Isto é falhase sempre na realidade aquella vida que se planeou com a imaginacão. Diz-se:  «vou ser assim, porque a belleza está em ser assim». E nunca se é assim, é-se  invariavelmente assado, como dizia o pobre marquez. Ás vezes melhor, mas sempre differente.
       Ega concordou, com um suspiro mudo, começando a calçar as luvas.
       O quarto escurecia no crepusculo frio e melancolico d'inverno. Carlos pôz  tambem o chapéo: e desceram pelas escadas forradas de velludo côr de cereja,  onde ainda pendia, com um ar baço de ferrugem, a panoplia de velhas armas. Depois na rua Carlos parou, deu um longo olhar ao sombrio casarão, que n'aquella primeira penumbra tomava um aspecto mais carregado de residencia  ecclesiastica, com as suas paredes severas, a sua fila de janellinhas fechadas,  as grades dos postigos terreos cheias de treva, mudo, para sempre deshabitado,  cobrindo-se já de tons de ruina. Uma commoção passou-lhe n'alma, murmurou, travando do braço do Ega:
       - É curioso! Só vivi dois annos n'esta casa, e é  n'ella que me parece estar  mettida a minha vida inteira!
       Ega não se admirava. Só alli no Ramalhete elle vivera realmente d'aquillo  que dá sabôr e relevo á vida - a paixão.      
 - Muitas outras coisas dão valor á vida... Isso é uma velha idéa de romantico, meu Ega!
       - E que somos nós? exclamou Ega. Que temos nós sido desde o collegio,  desde o exame de latim? Romanticos: isto é, individuos inferiores que se governam na vida pelo sentimento e não pela razão...      
      Mas Carlos queria realmente saber se, no fundo, eram mais felizes esses  que se dirigiam só pela razão, não se desviando nunca d'ella, torturando-se  para se manter na sua linha inflexivel, sêccos, hirtos, logicos, sem emoção até  ao fim...
       - Creio que não, disse o Ega. Por fóra, á vista, são desconsoladores. E por  dentro, para elles mesmos, são talvez desconsolados. O que prova que n'este lindo mundo ou tem de se ser insensato ou sem sabor...
       - Resumo: não vale a pena viver...
- Depende inteiramente do estomago! atalhou Ega.
      

Riram ambos. Depois Carlos, outra vez sério, deu a sua theoria da vida, a  theoria definitiva que elle deduzira da experiencia e que agora o governava.
Era o fatalismo musulmano. Nada desejar e nada recear... Não se abandonar a  uma esperança - nem a um desapontamento. Tudo aceitar, o que vem e o que foge, com a tranquillidade  com que se acolhem as naturaes mudanças de dias agrestes e de dias suaves.  E, n'esta placidez, deixar esse pedaço de materia organisada, que se chama o  Eu, ir-se deteriorando e decompondo até reentrar e se perder no infinito Universo... Sobretudo não ter appetites. E, mais que tudo, não ter contrariedades.
       Ega, em summa, concordava. Do que elle principalmente se convencera,  n'esses estreitos annos de vida, era da inutilidade do todo o esforço. Não valia  a pena dar um passo para alcançar coisa alguma na terra - porque tudo se resolve, como já ensinára o sabio do Ecclesiastes, em desillusão e poeira.      

- Se me dissessem que alli em baixo estava uma fortuna como a dos Rothschilds ou a corôa imperial de Carlos V, á minha espera, para serem minhas se eu para lá corresse, eu não apressava o passo... Não! Não sahia d'este passinho lento, prudente, correcto, seguro, que é o unico que se deve ter  na vida.
       - Nem eu! acudiu Carlos com uma convicção decisiva.
       E ambos retardaram o passo, descendo para a rampa de Santos, como se  aquelle fosse em verdade o caminho da vida, onde elles, certos de só encontrar  ao fim desillusão e poeira, não devessem jámais avançar senão com lentidão e  desdem. Já avistavam o Aterro, a sua longa fila de luzes. De repente Carlos teve um largo gesto de contrariedade:       - Que ferro! E eu que vinha desde Paris com este appetite! Esqueci-me de mandar fazer hoje para o jantar um grande prato de paio com ervilhas.
       E agora já era tarde, lembrou Ega. Então Carlos, até ahi esquecido em  memorias do passado e syntheses da existencia, pareceu ter inesperadamente consciencia da noite que cahira, dos candieiros accêsos. A um bico de gaz tirou o relogio. Eram seis e um quarto!
       - Oh, diabo!... E eu que disse ao Villaça e aos rapazes para estarem no Braganza pontualmente ás seis! Não apparecer por ahi uma tipoia!...
       - Espera! exclamou Ega. Lá vem um «americano», ainda o apanhamos.
       - Ainda o apanhamos!
       Os dois amigos lançaram o passo, largamente. E Carlos, que arrojára o  charuto, ia dizendo na aragem fina e fria que lhes cortava a face:
       - Que raiva ter esquecido o paiosinho! Emfim, acabou-se. Ao menos assentamos a theoria definitiva da existencia. Com effeito, não vale a pena fazer um esforço, correr com ancia para coisa alguma...
       Ega, ao lado, ajuntava, offegante, atirando as pernas magras:
       - Nem para o amor, nem para a gloria, nem para o dinheiro, nem para o poder...
       A lanterna vermelha do «americano», ao longe, no escuro, parára. E foi  em Carlos e em João da Ega uma esperança, outro esforço:
       - Ainda o apanhamos!
- Ainda o apanhamos!
       De novo a lanterna deslisou, e fugiu. Então, para apanhar o «americano»,  os dois amigos romperam a correr desesperadamente pela rampa de Santos e  pelo Aterro, sob a primeira claridade do luar que subia.

Os Maias.

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Obrigada, Eça.

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Allegretto

Tateia o chão seguro e compassivo: de cor repleta de vontades náufragas, gravetos de marrom despedaçado, paralelepípedos em clausura, enverdecidos de um cinza mornado, que esbarram no horizonte desmaiado. Ela corre as distâncias no olhar seco, ela corre os tornados tropicais, ela corre os tornados combalidos, pelo precioso colar da febre. São roseolhos tisnados, sofridos; e feridas alcantilopalinas; são corpos azulentrechocados. Mas também há flores e borboletas, e nelas qualquer cor é muito pouca, pois não há nada mais descabido, que contar o oportuno da rosa. O cheiro de café nas folhas soltas, de terra subindo durante o passo, de velha madeira de dar em doido, de correr mais do que o suor comporta. Cheiro de torto nos pulmões que enxergam: a grama levantada pela foice, de ar gelado de serra venturosa, de ladeira descida às baforadas, de todos os caminhos dos seus dedos.




Gosto de lençol apertado em pernas, de framboesa sob a pele enxuta. Amanitas servidas ao café. Ponta da língua ocultando o sutil, o doce do olhar do suor do outro. A terra subindo, entrando na boca. Enquanto os abraços trocam de dono. Há sentido infinito em alcançar, com o paladar anestesiado, o corpo reclinado e solto, os cotovelos que apoiam a matéria, o recôndito d’alma descoberta.



Ela se ilude com o tempo, mas aí tateia o chão seguro e compassivo.



C. Bastos

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Stay out of trouble

I wish i had your scarf still, that once embraced and kept me

Warm.
I wish you could be with me, in these last days when i am still
Hopelessly poor

Stay out of trouble, stay in touch. Try not to think about me to much

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Dois

Pois não há tempo que se esqueça de minar as forças
Tampouco, resista travestido de sorte zombeteira
Indo e vindo deixa sempre o gosto do nosso gosto
Quando se percebe que tudo apenas resta
(Antônio L. Pereira)
Ophelinha:


Agradeço a sua carta. Ella trouxe-me pena e allivio ao mesmo tempo. Pena, porque estas cousas fazem sempre pena; allivio, porque, na verdade, a unica solução é essa - o não prolongarmos mais uma situação que não tem já a justificação do amor, nem de uma parte nem de outra. Da minha, ao menos, fica uma estima profunda, uma amisade inalteravel. Não me nega a Ophelinha outro tanto, não é verdade?

Nem a Ophelinha, nem eu, temos culpa nisto. Só o Destino terá culpa, se o Destino fosse gente, a quem culpas se attribuissem.

O Tempo, que envelhece as faces e os cabellos, envelhece tambem, mas mais depressa ainda, as affeições violentas. A maioria da gente, porque é estupida, consegue não dar por isso, e julga que ainda ama porque contrahiu o habito de se sentir a amar. Se assim não fosse, naão havia gente feliz no mundo. As creaturas superiores, porém, são privadas da possibilidade d’essa illusão, porque nem podem crer que o amor dure, nem, quando o sentem acabado, se enganam tomando por elle a estima, ou a gratidão, que elle deixou.

Estas cousas fazem soffrer, mas o soffrimento passa. Se a vida, que é tudo, passa por fim, como não hão de passar o amor e a dor, e todas as mais cousas, que não são mais que partes da vida?

Na sua carta é injusta para commigo, mas comprehendo e desculpo; decerto a escreveu com irritação, talvez mesmo com magua, mas a maioria da gente - homens ou mulheres - escreveria, no seu caso, num tom ainda mais acerbo, e em termos ainda mais injustos. Mas a Ophelinha tem um feitio optimo, e mesmo a sua irritação não consegue ter maldade. Quando casar, se não tiver a felicidade que merece, por certo que não será sua a culpa.

Quanto a mim…

O amor passou. Mas conservo-lhe uma affeição inalteravel, e não esquecerei nunca - nunca, creia - nem a sua figurinha engraçada e os seus modos de pequeneina, nem a sua ternura, a sua dedicação, a sua indole amoravel. Pode ser que me engane, e que estas qualidades, que lhe attribúo, fossem uma illusão minha; mas nem creio que fossem, nem, a terem sido, seria desprimor para mim que lh’as attribuisse.

Não sei o que quer que lhe devolva - cartas ou que mais. Eu preferia não lhe devolver nada, e conservar as suas cartinhas como memoria viva de uma passado morto, como todos os passados; como alguma cousa de commovedor numa vida, como a minha, em que o progresso nos annos é par do progresso na infelicidade e na desillusão.

Peço que não faça como a gente vulgar, que é sempre reles; que não me volte a cara quando passe por si, nem tenha de mim uma recordação em que entre o rancor. Fiquemos, um perante o outro, como dois conhecidos desde a infancia, que se amaram um pouco quando meninos, e, embora na vida adulta sigam outras affeições e outros caminhos, conservam sempre, num escaninho da alma, a memoria profunda do seu amor antigo e inutil.

Que isto de “outras affeições” e de “outros caminhos” é consigo, Ophelinha, e não commigo. O meu destino pertence a outra Lei, de cuja existencia a Ophelinha nem sabe, e está subordinado cada vez mais á obediência a Mestres que não permittem nem perdoam.

Não é necessario que comprehenda isto. Basta que me conserve com carinho na sua lembrança, como eu, inalteravelmente, a conservarei na minha.



Fernando
 
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Porque é triste, injusto e inútil.
 

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Deu Bandeira

Hoje, 19/04, seria o aniversário do "poeta que falou o português gostoso do Brasil", como disse um amigo meu. 126 anos de viagens a Pasárgada, pneumotórax, de impossíveis carinhos. 126 anos da Estrela da vida inteira. Não teve homenagem no Google, mas tem aqui. Lembranças ao poeta sórdido.

Nova Poética




Vou lançar a teoria do poeta sórdido.
Poeta sórdido:
Aquele em cuja poesia há a marca suja da vida.

Vai um sujeito,
Sai um sujeito com a roupa de brim branco muito bem engomada, e na primeira esquina passa um caminhão, salpica-lhe o paletó de uma nódoa de lama:
É a vida.


O poema deve ser como a nódoa no brim:
Fazer o leitor satisfeito de si dar o desespero.

Sei que a poesia é também orvalho.
Mas este fica para as menininhas, as estrelas alfas, as virgens cem por cento e as amadas que envelheceram sem maldade.


terça-feira, 17 de abril de 2012

Vivendo as traduções

Querido C,

queria te explicar o porquê de não ter publicado o último texto da série de traduções que fez pra mim. não sei se percebeu, uma vez que não sabemos mais um do outro, mas fui publicando à medida das vivências e dos acontecimentos que premeditou,  então fiquei esperando o final prometido, que não acontecia nunca. de quando se brotam certezas.
mas você sempre disse que eu demorava bastante até conseguir dar prosseguimento às coisas que eu mesma sabia que de um jeito ou de outro eu iria fazer. só precisava daquele impulsozinho da prima distante segurança ou de um leve golpe de inconsciência ou atrevimento. se bem que nesse caso não sei se dependia de alguma atitude minha, mas sim daquele nosso velho amigo Acaso.
pois bem, enfim publicarei. mas quis primeiro te escrever pra você me dar a benção. sempre precisei do seu "pode ir, Li, vai ficar tudo bem, você vai ver só." é, das nossas coisas, uma das que mais me fazem falta, agora que percorro sozinha esse corredor solitário da vida.
não sei (quer dizer, tenho quase certeza de que não é) se esse acontecimento é exatamente como imaginou, algo certo e concreto com aquele tom inabalável de um final feliz. mas acho que talvez o último texto que você me escreveu não descreva um fim, e sim um começo, estou certa?
se é assim, fico mais tranquila.

Um beijo - com açúcar e com afeto -   e até.
                                                                                                                                                                  L.



"esse é só o começo do fim da nossa vida, deixa chegar o sonho, prepara uma avenida, que a gente vai passar".
(lembra?)

domingo, 15 de abril de 2012

These streets, these days

have too many names for me...

(...)
Tu sabes como é grande o mundo.
Conheces os navios que levam petróleo e livros, carne e algodão.
Viste as diferentes cores dos homens,
as diferentes dores dos homens,
sabes como é difícil sofrer tudo isso, amontoar tudo isso
num só peito de homem... sem que ele estale.

Fecha os olhos e esquece.
Escuta a água nos vidros,
tão calma, não anuncia nada.
Entretanto escorre nas mãos,
tão calma! Vai inundando tudo...
Renascerão as cidades submersas?
Os homens submersos – voltarão?

Meu coração não sabe.
Estúpido, ridículo e frágil é meu coração.
Só agora descubro

como é triste ignorar certas coisas.
(Na solidão de indivíduo
desaprendi a linguagem
com que homens se comunicam.)

Outrora escutei os anjos,
as sonatas, os poemas, as confissões patéticas.
Nunca escutei voz de gente.
Em verdade sou muito pobre.

Outrora viajei
países imaginários, fáceis de habitar,
ilhas sem problemas, não obstante exaustivas e convocando ao suicídio.

Meus amigos foram às ilhas.
Ilhas perdem o homem.

Entretanto alguns se salvaram e
trouxeram a notícia
de que o mundo, o grande mundo está crescendo todos os dias,
entre o fogo e o amor.
Então, meu coração também pode crescer.
Entre o amor e o fogo,
entre a vida e o fogo,

(meu coração cresce dez metros e explode. )

(Drummond)
____________________________
estúpido. ridículo. frágil. "
I'll get used to this eventually, I know..."


Sim, meu coração é muito pequeno.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Dos pedaços de nó

Quisera poder desfazer em setenta mil linhas os setecentos mil nós da própria cabeça.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Das estreias

  Quando nessa noite, uma noite triste de água, Carlos e Craft o acompanharam a Santa Apolónia, ele disse-lhes na carruagem estas palavras, triste resumo dum amor romântico:
 - Sinto-me como se a alma me tivesse caído a uma latrina! Preciso um banho por dentro!

  Afonso da Maia ao saber este desastre do Ega, tinha dito a Carlos, com tristeza:  
- Má estreia, filho, péssima estreia!

 E nessa noite, depois de voltar de Santa Apolónia, Carlos pensava nestas palavras, dizia também consigo: - Péssima estreia!... E nem só a estreia do Ega era péssima; também a sua. E talvez, por pensar nisso, as palavras do avô tinham tido aquela tristeza. Péssimas estreias! Havia seis meses que o Ega chegara de Celorico, embrulhado na sua grande peliça, preparado a deslumbrar Lisboa com as Memórias dum Átomo, a dominá-la com a influência de uma Revista, a ser uma luz, uma força, mil outras coisas... E agora, cheio de dívidas e cheio de ridículo, lá voltava para Celorico, escorraçado. Péssima estreia! Ele, por seu lado, desembarcara em Lisboa, com ideias colossais de trabalho, armado como um lutador: era o consultório, o laboratório, um livro iniciador, mil coisas fortes... E, que tinha feito? Dois artigos de jornal, uma dúzia de receitas, e esse melancólico capítulo da Medicina entre os Gregos. Péssima estreia! 


  Não, a vida não lhe parecia prometedora, nesse instante, passeando na sala de bilhar com as mãos nos bolsos, enquanto ao lado os amigos conversavam, e fora uivava o sudoeste. Pobre Ega, que infeliz ele iria, encolhido ao canto do seu wagon!... Mas os outros, ali, não estavam mais alegres. Craft e o Marquês tinham começado uma conversa sobre a vida, soturna edesconsoladora. De que servia viver, dizia Craft, não se sendo um Livingstone ou um Bismark? E o Marquês, com um ar filosófico, achava que o mundo se ia tornando estúpido. 

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Com todo o desejo de que a literatura fizesse menos sentido na minha vida.
í

sábado, 10 de março de 2012

A culpa


Deve ser do tempo que passa e das rugas
Distantes do rosto, mas vistas de longe

No fundo da alma


De repente, a culpa.
Você se culpa porque se esqueceu da ração do cachorro.
Porque se esqueceu de enviar aquele e-mail.
Porque não lembrou. Porque esqueceu.
Você se culpa pela academia que pagou e não foi. Pelos quilos que engordou. Pelo chocolate que comeu.
Pelo projeto de mestrado que idealizou e não escreveu. Pelo livro que comprou e nunca leu, e também pelo que abandonou.
Pelos cinco minutinhos a mais que dormiu. Pelo trânsito que pegou. Pela falta de ânimo no trabalho. Pela falta de disposição pra vida. Pela sua vida.
Por falar. Por calar.
Pelo que prometeu. Pelo que não foi.
Pela culpa. 
Pela maldita culpa.

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Não vale a pena sangrar por sangrar,

sexta-feira, 9 de março de 2012

Dos feitos do desassossego

Depois que os últimos calores do estio deixavam de ser duros no sol baço, começava o outono antes que viesse, numa leve tristeza, prolixamente indefinida, que parecia uma vontade de não sorrir do céu. Era um azul umas vezes mais claro, outras mais verde, da própria ausência de substância da cor alta; era uma espécie de esquecimento nas nuvens, púrpuras diferentes e esbatidas; era, não já um torpor, mas um tédio, em toda a solidão quieta por onde nuvens atravessam.

A entrada do verdadeiro outono era depois anunciada por um frio dentro do não-frio do ar, por um esbater-se das cores que ainda se não haviam esbatido, por qualquer coisa de penumbra e de afastamento no que havia sido o tom das paisagens e o aspecto disperso das coisas. Nada ia ainda morrer, mas tudo, como que num sorriso que ainda faltava, se virava em saudade para a vida.

Vinha, por fim, o outono certo: o ar tornava-se frio de vento; soavam folhas num tom seco, ainda que não fossem folhas secas; toda a terra tomava a cor e a forma impalpável de um paul incerto. Descobria-se o que fora sorriso último, num cansaço de pálpebras, numa indiferença de gestos. E assim tudo quanto sente, ou supomos que sente, apertava, íntima, ao peito a sua própria despedida. Um som de redemoinho num átrio flutuava através da nossa consciência de outra coisa qualquer. Aprazia convalescer para sentir verdadeiramente a vida.

Mas as primeiras chuvas de inverno, vindas ainda no outono já duro, lavavam estas meias tintas como sem respeito. Ventos altos chiando em coisas paradas, barulhando coisas presas, arrastando coisas móveis, erguiam, entre os brados irregulares da chuva, palavras ausentes de protesto anónimo, sons tristes e quase raivosos de desespero sem alma.

E por fim o outono cessava, a frio e cinzento. Era um outono de inverno o que vinha agora, um pó tornado lama de tudo, mas, ao mesmo tempo, qualquer coisa do que o frio do inverno traz de bom - verão duro findo, primavera por chegar, outono definindo-se em inverno enfim. 
E no ar alto, por onde os tons baços já não lembravam nem calor nem tristeza, tudo era propício à noite e à meditação indefinida.

Assim era tudo para mim antes que o pensasse. Hoje, se o escrevo, e porque o lembro. O outono que tenho é o que perdi.

Bernardo Soares
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quarta-feira, 7 de março de 2012

Tolera e te abstém

Lendo blogs alheios, me dá aquele comichãozinho pra voltar a escrever, mas, analisando os últimos acontecimentos, dúvidas e anseios, não vai sair nada de bom daqui. Escrever é  pensar, e pensar é errar. Pelo menos por ora.