sábado, 10 de março de 2012

A culpa


Deve ser do tempo que passa e das rugas
Distantes do rosto, mas vistas de longe

No fundo da alma


De repente, a culpa.
Você se culpa porque se esqueceu da ração do cachorro.
Porque se esqueceu de enviar aquele e-mail.
Porque não lembrou. Porque esqueceu.
Você se culpa pela academia que pagou e não foi. Pelos quilos que engordou. Pelo chocolate que comeu.
Pelo projeto de mestrado que idealizou e não escreveu. Pelo livro que comprou e nunca leu, e também pelo que abandonou.
Pelos cinco minutinhos a mais que dormiu. Pelo trânsito que pegou. Pela falta de ânimo no trabalho. Pela falta de disposição pra vida. Pela sua vida.
Por falar. Por calar.
Pelo que prometeu. Pelo que não foi.
Pela culpa. 
Pela maldita culpa.

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Não vale a pena sangrar por sangrar,

sexta-feira, 9 de março de 2012

Dos feitos do desassossego

Depois que os últimos calores do estio deixavam de ser duros no sol baço, começava o outono antes que viesse, numa leve tristeza, prolixamente indefinida, que parecia uma vontade de não sorrir do céu. Era um azul umas vezes mais claro, outras mais verde, da própria ausência de substância da cor alta; era uma espécie de esquecimento nas nuvens, púrpuras diferentes e esbatidas; era, não já um torpor, mas um tédio, em toda a solidão quieta por onde nuvens atravessam.

A entrada do verdadeiro outono era depois anunciada por um frio dentro do não-frio do ar, por um esbater-se das cores que ainda se não haviam esbatido, por qualquer coisa de penumbra e de afastamento no que havia sido o tom das paisagens e o aspecto disperso das coisas. Nada ia ainda morrer, mas tudo, como que num sorriso que ainda faltava, se virava em saudade para a vida.

Vinha, por fim, o outono certo: o ar tornava-se frio de vento; soavam folhas num tom seco, ainda que não fossem folhas secas; toda a terra tomava a cor e a forma impalpável de um paul incerto. Descobria-se o que fora sorriso último, num cansaço de pálpebras, numa indiferença de gestos. E assim tudo quanto sente, ou supomos que sente, apertava, íntima, ao peito a sua própria despedida. Um som de redemoinho num átrio flutuava através da nossa consciência de outra coisa qualquer. Aprazia convalescer para sentir verdadeiramente a vida.

Mas as primeiras chuvas de inverno, vindas ainda no outono já duro, lavavam estas meias tintas como sem respeito. Ventos altos chiando em coisas paradas, barulhando coisas presas, arrastando coisas móveis, erguiam, entre os brados irregulares da chuva, palavras ausentes de protesto anónimo, sons tristes e quase raivosos de desespero sem alma.

E por fim o outono cessava, a frio e cinzento. Era um outono de inverno o que vinha agora, um pó tornado lama de tudo, mas, ao mesmo tempo, qualquer coisa do que o frio do inverno traz de bom - verão duro findo, primavera por chegar, outono definindo-se em inverno enfim. 
E no ar alto, por onde os tons baços já não lembravam nem calor nem tristeza, tudo era propício à noite e à meditação indefinida.

Assim era tudo para mim antes que o pensasse. Hoje, se o escrevo, e porque o lembro. O outono que tenho é o que perdi.

Bernardo Soares
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quarta-feira, 7 de março de 2012

Tolera e te abstém

Lendo blogs alheios, me dá aquele comichãozinho pra voltar a escrever, mas, analisando os últimos acontecimentos, dúvidas e anseios, não vai sair nada de bom daqui. Escrever é  pensar, e pensar é errar. Pelo menos por ora.