sábado, 27 de agosto de 2016

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Dos livros da estante

Num dia qualquer com algum tédio envolvido, olha a estante e refaz a lista dos últimos livros lidos. Contos fantásticos. Crônicas leves. Biografias. Poemas...
E os romances?  Todos parados entre a página 2 ou 20. Curioso: não conseguira engatar num bom romance havia um tempo. Lembra que fez uma lista dos que precisavam de um clima ou um tempo especial pra ler -  sabia que ainda não estava preparada pra alguns deles, muitos requerem coragem e cabeça boa pra não afetarem demais a vida. Aliás,  nem lembra mais o último,  o que é estranho, já que sempre foi seu gênero preferido de leitura. A experiência não deve ter sido lá muito boa.

Suspira. Vira as costas e volta pra cama pensando: "Sintomático. Sintomático"...


terça-feira, 25 de agosto de 2015

Do esquecimento

"Viu a cena de novo: viu-se jovem, um pouco feminino, com o cabelo longo e escorrido, a pele branca e os lábios crestados pelo frio, abrindo o estojo - um luxuoso ataúde em miniatura -, descobrindo a Reform deitada no centro de um leito vermelho, presa na altura da cintura por um anel de plástico preto, e pensando - pensando e, colecionador compulsivo, entesourando o pensamento enquanto o pensava - que, acontecesse o que acontecesse, estivessem juntos mil anos, dez ou um único dia mais, nunca na vida esqueceria desse momento.

Mas esquecera, e agora que a mesma caneta-tinteiro voltara às suas mãos, como esses objetos que, nos contos, atravessam uma longa série de provas para terminar outra vez, idênticos, mas experimentados, em poder de seu dono original, Rímini, contemplando-a com um pavor maravilhado, compreendeu a que ponto o inesquecível das coisas, ou desse complexo articulado de fatos, pessoas, coisas, lugar e tempo que chamamos momento, é muito menos uma propriedade das coisas, muito menos um efeito do modo como as coisas nos alcançam,  penetram em nós e nos afetam, do que o resultado de uma vontade de preservação, um desejo que já então, no próprio instante em que é formulado, sabe-se ameaçado pelo fracasso. Dizemos que algo será inesquecível, não apenas para reforçar, transformando-a já um pouco em passado, a intensidade com que o experimentamos agora, no presente, mas sobretudo para protegê-la, guardá-la com todo o zelo e o cuidado que consideramos necessário, de modo a garantir dentro de um tempo, quando nem o mundo nem nós seremos mais os mesmos, essa porção de experiência continue estando ali, nos esperando, demonstrando que há ao menos uma coisa que conseguiu resistir a tudo. Mas nada era inesquecível. Não há imunidade contra o esquecimento."

[Alan Pauls - O passado]

sexta-feira, 29 de maio de 2015

Das identificações

Quero lhe dizer que faz algum tempo que não sei mais onde piso. E isso é bom. Cansei dos territórios conhecidos em que me desconheci, medindo com passos meus azares e medos, não me poupando para nenhum dos absurdos que se tornou minha vida. Quero lhe dizer que ainda não sei quais sentimentos pesam na balança das decisões, e desconheço quais deles não são o fingimento de outros que vivo a sentir. Talvez eu demore para saber que o amor foi na verdade apego, carências repletas de inconscientes estratégias a deixá-lo mais aconchegante entre a linear angústia que em razão dele sinto, sofro e me entristeço. Talvez eu demore muito para saber que os laços que crio e amores que sinto são frutos do medo que fantasiado me engana. Talvez eu não venha nunca a saber, e mesmo sem saber o que prevalece em mim, decidi abrir mão do que pensei ser necessário carregar para seguir, mas que percebi há muito carregar e não sair do lugar. Aceitei o risco de errar para ser mais feliz. A vida não é jogo de soma exata e de alcançáveis perfeições. Quero lhe dizer que hoje busco tornar-me uma vez mais aquele que há tempos deixei de ser. Que é possível alterar a rota de colisão do destino com as tristezas. Sendo a vida miseravelmente única, breve e desconexa, se não buscarmos fazer sentido para nós mesmos, nada fará. Então ficaremos à margem da própria vida, que nos acontece enquanto não estamos, seja porque nos procuramos em qualquer ilusão de conforto, seja porque desistimos de nos encontrarmos. Decidir ser feliz não é fácil como decidir o lugar para se passar as férias. Decidir pela felicidade é um constante e árduo exercício de desapego das partes de nós que nos habituamos mas se encontram mortas e que não nos servem mais. Decidir pela felicidade é por em xeque aquilo que carregamos e nunca nos perguntamos se precisamos daquilo para continuar.

[Guilherme Antunes]