"Viu a cena de novo: viu-se jovem, um pouco feminino, com o cabelo longo e escorrido, a pele branca e os lábios crestados pelo frio, abrindo o estojo - um luxuoso ataúde em miniatura -, descobrindo a Reform deitada no centro de um leito vermelho, presa na altura da cintura por um anel de plástico preto, e pensando - pensando e, colecionador compulsivo, entesourando o pensamento enquanto o pensava - que, acontecesse o que acontecesse, estivessem juntos mil anos, dez ou um único dia mais, nunca na vida esqueceria desse momento.
Mas esquecera, e agora que a mesma caneta-tinteiro voltara às suas mãos, como esses objetos que, nos contos, atravessam uma longa série de provas para terminar outra vez, idênticos, mas experimentados, em poder de seu dono original, Rímini, contemplando-a com um pavor maravilhado, compreendeu a que ponto o inesquecível das coisas, ou desse complexo articulado de fatos, pessoas, coisas, lugar e tempo que chamamos momento, é muito menos uma propriedade das coisas, muito menos um efeito do modo como as coisas nos alcançam, penetram em nós e nos afetam, do que o resultado de uma vontade de preservação, um desejo que já então, no próprio instante em que é formulado, sabe-se ameaçado pelo fracasso. Dizemos que algo será inesquecível, não apenas para reforçar, transformando-a já um pouco em passado, a intensidade com que o experimentamos agora, no presente, mas sobretudo para protegê-la, guardá-la com todo o zelo e o cuidado que consideramos necessário, de modo a garantir dentro de um tempo, quando nem o mundo nem nós seremos mais os mesmos, essa porção de experiência continue estando ali, nos esperando, demonstrando que há ao menos uma coisa que conseguiu resistir a tudo. Mas nada era inesquecível. Não há imunidade contra o esquecimento."
[Alan Pauls - O passado]