terça-feira, 19 de julho de 2011

Atravessa esta paisagem o meu sonho dum porto infinito

"veio a canção lá no fundo da noite e da escuridão"

-  porque o instante existe e minha vida não está completa.


Três meninas e uma capa de trabalho. 21horas. Fim de período. Início do verão. Chuva. Oblíqua e dissimulada como as dos tempos de outrora.

 impressoras quebradas. 12 andares de impressoras quebradas. 15 ruas de xerox fechadas. um único professor espera o último trabalho atrasado. não há trabalho, só uma desculpa e dois silêncios.
guarda-chuva encontrado no fundo da sala de linguística. mangueira alagada. três meninas e um guada-chuva.

e água pelos joelhos.
banho de lama dos carros na radial oeste. uma chuta  poças e cansa de tomar banho pela metade.   "pensar incomoda como andar à chuva, o vento, parece que chove mais". sem poemas essa hora. "alegra-me ouvir a chuva porque ela é o templo estar aceso". não hoje.  "a missa é um automóvel que passa". sem pena. não agora. mais banho de lama na radial oeste. primeiro palavrão.segunda ira. terceiros ais.

mangueira alagada. maracanã sem luz. um trem passa. muita escada.  goteiras e ar-condicionado, o primeiro do ano. muito frio. era o que faltava. não reclame antes do fim. segundo palavrão. terceira ira. quartos ais.

e livros molhados de um poeta de biblioteca - devido à mania das sacolas de pano.
presas na estação deodoro,  uma lança a faísca. abre um  livro: "chove, que fiz eu da vida?" - cômico. "trágico". "piegas" -  coincidência. destino. outro.   fecha, tenta de novo:  "ilumina-se a igreja por dentro da chuva deste dia". um sorriso,dois  silêncios, outro é tarde. mais um trem. dá pra entrar, não não dá, mas é tarde.  "e cada vela que se acende é mais chuva a bater na vidraça..." e menos trens na praça.
"até só se ouvir a voz do padre água perder-se ao longe com o som de rodas de automóvel...".
 
Três meninas e uma capa de trabalho. vinte e três horas. Chuva oblíqua e dissimulada como nos tempos de aurora.
 
é tarde. chegou, não dá, tem que dar. tá cheio. não respiro. não reclama. imita arte, não, um programa. eu prefiro assim. o poeta conta como devia ter acontecido.... mas não aconteceu. eu prefiro assim. louca. sim, talvez.

muita dor nos joelhos.
"tão supérfluo tudo! nós e o mundo e o mistério de ambos". eu diria: "nós e a chuva, e o mistério dos anos". metida. audaz. um nada.

e apagam-se as luzes da igreja na chuva que cessa...
 
Sim, escolho essa.

3 comentários:

Anônimo disse...

Eu adoro essa frase. Acho linda a ideia de um porto infinito.

Amei o texto. Amei como você incluiu números no meio de tantas palavras. Foi seco. Difícil você escrever um texto seco.

Lindo...

N.

Li disse...

e eu que achei que estava molhado. eu nunca entendi o que era o padre água mesmo. sei que não é o que um pinguim explicou. é uma oblíqua chuva mesmo.

Anônimo disse...

Uma nova categoria de seco. Seco na forma, molhado no mundo das ideias.

N.