quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Suburbano coração



Hoje eu acordei com medo mas não chorei, nem reclamei abrigo. 
Do escuro, eu via o infinito sem presente, passado ou futuro(...)
já não era medo, era uma coisa sua que ficou em mim e que não tem fim. 
De repente a gente sente que perdeu ou está perdendo alguma coisa, 
morna e ingênua que vai ficando no caminho, que é escuro e frio, 
mas também bonito, porque é iluminado 
pela beleza do que aconteceu há minutos atrás.



Porque hoje, voltando pra casa por um caminho estranho e escuro, pensando e reescrevendo mais um capítulo do  meu livro cansado de nunca se escrever, percebi ao longe essa música, o poema que tanto traduziu em cada pedaço de  letra os  meus dias, e que remonta tanto aos tempos de adulta inocência pelos quais já precisei passar. Comecei a pensar em como certas músicas continuam fazendo  todo o sentido pra mim, mesmo com todos os acontecidos dos idos anos, muitas só servem pra  intensificar ainda mais esse tipo de certeza. Fui em seu rastro sem ligar pro horário avançado ou pro perigo de ser uma menina sozinha e cansada, com  um pé sangrando, voltando de um dia pior que de um cão, com seis livros pendurados numa mochila que levanta o vestido e que só se percebe quando escuta a primeira gracinha nas ruas. E fui atrás e não me importei com a solidão, nem com os perigos imaginários ou reais das ruas da meia-noite, nem com o celular fora da área de cobertura. Achei o lugar perto da estrada, e não me importei também em sentar no meio-fio e deixar passar todas as conduções que me levariam pra casa enquanto a música não terminasse e a dor não passasse também. Nem no ridículo ou nonsense de tudo isso, nem no que pensariam de uma garota parada numa calçada, com bolsa de gente grande e roupa de segunda-feira chorando no chão sujo com uma seta no calcanhar.
A música passou, a dor secou, pelo menos por ora, começou a tocar Take toke, a melhor música da melhor novela que eu já assisti. Um carro parou, um homem chamou, uma porta abriu, eu entrei e fui embora. 

Essas coisas só posso fazer aqui.



Suburbano Coração - Chico Buarque. Sim, mais ainda. http://letras.terra.com.br/chico-buarque/86055/

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