segunda-feira, 9 de abril de 2012

Das estreias

  Quando nessa noite, uma noite triste de água, Carlos e Craft o acompanharam a Santa Apolónia, ele disse-lhes na carruagem estas palavras, triste resumo dum amor romântico:
 - Sinto-me como se a alma me tivesse caído a uma latrina! Preciso um banho por dentro!

  Afonso da Maia ao saber este desastre do Ega, tinha dito a Carlos, com tristeza:  
- Má estreia, filho, péssima estreia!

 E nessa noite, depois de voltar de Santa Apolónia, Carlos pensava nestas palavras, dizia também consigo: - Péssima estreia!... E nem só a estreia do Ega era péssima; também a sua. E talvez, por pensar nisso, as palavras do avô tinham tido aquela tristeza. Péssimas estreias! Havia seis meses que o Ega chegara de Celorico, embrulhado na sua grande peliça, preparado a deslumbrar Lisboa com as Memórias dum Átomo, a dominá-la com a influência de uma Revista, a ser uma luz, uma força, mil outras coisas... E agora, cheio de dívidas e cheio de ridículo, lá voltava para Celorico, escorraçado. Péssima estreia! Ele, por seu lado, desembarcara em Lisboa, com ideias colossais de trabalho, armado como um lutador: era o consultório, o laboratório, um livro iniciador, mil coisas fortes... E, que tinha feito? Dois artigos de jornal, uma dúzia de receitas, e esse melancólico capítulo da Medicina entre os Gregos. Péssima estreia! 


  Não, a vida não lhe parecia prometedora, nesse instante, passeando na sala de bilhar com as mãos nos bolsos, enquanto ao lado os amigos conversavam, e fora uivava o sudoeste. Pobre Ega, que infeliz ele iria, encolhido ao canto do seu wagon!... Mas os outros, ali, não estavam mais alegres. Craft e o Marquês tinham começado uma conversa sobre a vida, soturna edesconsoladora. De que servia viver, dizia Craft, não se sendo um Livingstone ou um Bismark? E o Marquês, com um ar filosófico, achava que o mundo se ia tornando estúpido. 

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Com todo o desejo de que a literatura fizesse menos sentido na minha vida.
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