terça-feira, 25 de agosto de 2015

Do esquecimento

"Viu a cena de novo: viu-se jovem, um pouco feminino, com o cabelo longo e escorrido, a pele branca e os lábios crestados pelo frio, abrindo o estojo - um luxuoso ataúde em miniatura -, descobrindo a Reform deitada no centro de um leito vermelho, presa na altura da cintura por um anel de plástico preto, e pensando - pensando e, colecionador compulsivo, entesourando o pensamento enquanto o pensava - que, acontecesse o que acontecesse, estivessem juntos mil anos, dez ou um único dia mais, nunca na vida esqueceria desse momento.

Mas esquecera, e agora que a mesma caneta-tinteiro voltara às suas mãos, como esses objetos que, nos contos, atravessam uma longa série de provas para terminar outra vez, idênticos, mas experimentados, em poder de seu dono original, Rímini, contemplando-a com um pavor maravilhado, compreendeu a que ponto o inesquecível das coisas, ou desse complexo articulado de fatos, pessoas, coisas, lugar e tempo que chamamos momento, é muito menos uma propriedade das coisas, muito menos um efeito do modo como as coisas nos alcançam,  penetram em nós e nos afetam, do que o resultado de uma vontade de preservação, um desejo que já então, no próprio instante em que é formulado, sabe-se ameaçado pelo fracasso. Dizemos que algo será inesquecível, não apenas para reforçar, transformando-a já um pouco em passado, a intensidade com que o experimentamos agora, no presente, mas sobretudo para protegê-la, guardá-la com todo o zelo e o cuidado que consideramos necessário, de modo a garantir dentro de um tempo, quando nem o mundo nem nós seremos mais os mesmos, essa porção de experiência continue estando ali, nos esperando, demonstrando que há ao menos uma coisa que conseguiu resistir a tudo. Mas nada era inesquecível. Não há imunidade contra o esquecimento."

[Alan Pauls - O passado]

sexta-feira, 29 de maio de 2015

Das identificações

Quero lhe dizer que faz algum tempo que não sei mais onde piso. E isso é bom. Cansei dos territórios conhecidos em que me desconheci, medindo com passos meus azares e medos, não me poupando para nenhum dos absurdos que se tornou minha vida. Quero lhe dizer que ainda não sei quais sentimentos pesam na balança das decisões, e desconheço quais deles não são o fingimento de outros que vivo a sentir. Talvez eu demore para saber que o amor foi na verdade apego, carências repletas de inconscientes estratégias a deixá-lo mais aconchegante entre a linear angústia que em razão dele sinto, sofro e me entristeço. Talvez eu demore muito para saber que os laços que crio e amores que sinto são frutos do medo que fantasiado me engana. Talvez eu não venha nunca a saber, e mesmo sem saber o que prevalece em mim, decidi abrir mão do que pensei ser necessário carregar para seguir, mas que percebi há muito carregar e não sair do lugar. Aceitei o risco de errar para ser mais feliz. A vida não é jogo de soma exata e de alcançáveis perfeições. Quero lhe dizer que hoje busco tornar-me uma vez mais aquele que há tempos deixei de ser. Que é possível alterar a rota de colisão do destino com as tristezas. Sendo a vida miseravelmente única, breve e desconexa, se não buscarmos fazer sentido para nós mesmos, nada fará. Então ficaremos à margem da própria vida, que nos acontece enquanto não estamos, seja porque nos procuramos em qualquer ilusão de conforto, seja porque desistimos de nos encontrarmos. Decidir ser feliz não é fácil como decidir o lugar para se passar as férias. Decidir pela felicidade é um constante e árduo exercício de desapego das partes de nós que nos habituamos mas se encontram mortas e que não nos servem mais. Decidir pela felicidade é por em xeque aquilo que carregamos e nunca nos perguntamos se precisamos daquilo para continuar.

[Guilherme Antunes]

sábado, 17 de janeiro de 2015

PMS

A despeito das expectativas e apesar de você, janeiro veio profundamente incrível. Quase como um prêmio por ter conseguido atravessar o ano que passou.
Mas, de repente, ficou profundamente triste. Aquela angústia, aquela taquicardia da qual eu não tinha a menor saudade de quando sabia algo sobre você.  Aquele profundo abatimento. E aí eu chorei.  E eu não chorava desde o dia da vó. Fiquei mais triste ainda comigo por estar de novo e ainda dedicando mais de uma lágrima a você, que definitivamente não merece mais nada.
Aí eu descobri que não era você de novo, era só TPM, motivo muito mais válido e com mais sentido pra chorar e ficar triste sem motivo.
Então eu decidi que janeiro vai continuar sendo incrível e 2015 também, apesar de toda a bagunça que está a vida e apesar de você. Aliás,tristeza e você só na TPM e olhe lá. Mais vale a dor de uma terrível cólica.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Dos programas ruins

Sempre me disseram que minha vida dava uma novela digna de Manoel Carlos. Tinha todos os elementos necessários: mocinhos-bandidos, muitos antagonistas, aquele personagem dúbio que você não sabe de que lado está,   um amor improvável cheio de dificuldades,  brigas de família, desamores, dicotomias, acontecimentos absurdos, traições de amigos, ganância, reconciliações, reviravoltas e até uma incrível e eclética trilha sonora para todos os núcleos e muito, muito drama pra uma grande audiência.
Absolutamente todos os itens. Mas tenho o Woody pra me lembrar de que a vida só imita programas ruins de televisão, apesar de o Manuel Carlos estar muito em baixa ultimamente.

Eu podia morar no Leblon, ao menos estaria derramando prosecco em cima dessa merda toda ouvindo Chico e Caetano. 
Me resta o samba.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Begin again

And you have broken every single fucking rule
And I have loved you like a fool


just the same

domingo, 16 de novembro de 2014

Apenas mais uma história clichê

Não sei se eu ainda amo você.  Talvez não esse você.
Talvez eu ame aquele cara que deve estar escondido aí em algum lugar. Eu quero acreditar que ele ainda está aí, mesmo a realidade me mostrando que ele não existe mais. Talvez eu ame só aquele cara. Aquele cara cheio de ideias impossíveis.  Aquele cara empolgado, de sorriso largo por trás daquele mau humor fake. Aquele cara que sonhava em ser professor e mudar o mundo. Que gostava de história e filosofia.  Que se apaixonou por uma menina tola, sem grandes ambições,  que queria fazer letras e sabia que não tinha lá condições de mudar o mundo, mas que tinha o único sonho de ler todos os livros do mundo e lutar contra os demônios da própria cabeça e viver de amor com menos dor e mais humor.
Esse cara sumiu pelo mundo. Levou a menina tola consigo.  O mundo de verdade apagou esse cara e deixou a menina tola perdida e sem lugar.  É triste estar num mundo de verdade que apaga esse tipo incrível de cara e que tenha deixado esse cara incrível se transformar nesse você. Apesar disso, incrivelmente, eu ainda sinto a sua falta, por causa daquele cara.
Espero que num mundo imaginário o cara das histórias e filosofias tenha amado pra sempre a menina tola dos livros e das letras e tenha mostrado a ela como mudar o mundo e lutar contra os monstros da sua cabeça. Espero que ela tenha ensinado a ele a manter os sorrisos largos, a leveza, o amor e o humor.  Talvez em alguns  anos eles pudessem entrar num livro e contar sua história pro mundo. Talvez só nesse livro eles pudessem ter um final feliz.

No mundo de verdade, eu queria escrever esse livro. No mundo de verdade eu sei que esse você não iria querer ler. Nesse mundo, na verdade, esse livro seria apenas mais uma história clichê.



quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Untitled

Às vezes é como se você não existisse. Como se nunca tivesse existido. Como se não tivesse uma vida paralela à nossa, em que você acorda sozinho pela manhã, toma seu café, pega o trânsito, faz suas ligações, trabalha, trabalha, trabalha, conversa com pessoas, ri com seus amigos, vive seu dias como se eu não existisse também.
Nesses dias é  fácil. Nesses dias passo pelos mesmos caminhos pelos quais costumamos passar na volta pra casa sem pensar um segundo em você, sem imaginar que vou vê-lo numa dessas caixas com rodas da Avenida falando ao telefone ou ouvindo o programa do Boechat.

Mas nos dias em que você existe é difícil e  dói.

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Bilhete a Drummond

mas se de tudo fica um pouco,
por que a sensação de que pra mim não ficou nada?



(nem de mim,
nem de ti,
nem de abelardo.
nem um botão,
nem  um rato?)

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Don't wanna be

Chega de encenar eternamente Brigite Jones. Eu sequer tenho Londres a meu favor.




...


Nem o Colin Firth!

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Cumadi Cida

 
"teu lar é no reino divino limpinho cheirando a alecrim".
 
 
 
 
No coração da mãe sempre cabe mais um, no dela cabe o mundo todo, porque ela é mais. Por isso, quando uma vó se vai, fica todo esse mundo desabrigado e o vazio fica maior. Resta a saudade. E o dever de cuidar do coração do vô, que tá apertado e faltando um pedaço.
 
                                    
 
Bença, vó.
 
Um beijo da sua Cumadi Camila.


segunda-feira, 19 de novembro de 2012

This it is and nothing more.

Muito é o  nada nessa vida.
(G.Rosa)

Nada fica de nada. Nada somos.
Um pouco ao sol e ao ar nos atrasamos
Da irrespirável treva que nos pese
Da humilde terra imposta,
Cadáveres adiados que procriam.

Leis feitas, estátuas vistas, odes findas —
Tudo tem cova sua. Se nós, carnes
A que um íntimo sol dá sangue, temos
Poente, por que não elas?
Somos contos contando contos, nada.

(R. Reis)




Nevermore.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

A moça do sonho


Há de haver algum lugar, um confuso casarão
Onde os sonhos serão reais e
a vida não... 
 
 
Seis linhas de pensamentos soltos. Uma dúzia de certezas enroladas. Tem dias que você acorda meio Blanche DuBois e a realidade não cabe na forma das suas expectativas. 
I don't want realism. I want magic. E o direito de poder começar tudo de novo.
 
 
 
-- 

domingo, 29 de julho de 2012

Literatura comparada

O mal de viver a literatura antes da própria vida: já saber antes do início qual será o meio e o desfecho desse livro.
Shakespeare já cantou a pedra muito antes de nós...








segunda-feira, 11 de junho de 2012

seems like pretending


We loved, we laughed, we cried,
...the story ends
and we're just friends.



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(but not like before)


terça-feira, 5 de junho de 2012

De acostumar

A: você  é um péssimo amigo, sabia?
B: Sou um péssimo muitas coisas.
A: você já me amou mais
B: Ainda amo, só não posso resolver sua vida infelizmente. E vice-versa.
Quem dera né Lili?
A: "não sei por que você  não me alivia a dor". Você  precisa ser menos realista,  a verdade tem doído  tanto ultimamente.
(é, quem dera)
B: Nem dói. Tem que se acostumar, Lili.
A: posso até me acostumar...
mas nem de longe vou ficar mais feliz com isso...


♪Acostumar

quinta-feira, 31 de maio de 2012

One art

“A arte de perder não é nenhum mistério;
Tantas coisas contêm em si o acidente
De perdê-las, que perder não é nada sério.

Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,
A chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Depois perca mais rápido, com mais critério:
Lugares, nomes, a escala subseqüente
Da viagem não feita. Nada disso é sério.

Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
Lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Perdi duas cidades lindas. E um império
Que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.

– Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo
que eu amo) não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser mistério
por muito que pareça (Escreve!) muito sério. ”



(Elisabeth Bishop)
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Now I must wave goodbye...